Crescer pisando na grama.
Bebês que passam pouco tempo ao ar livre têm maior risco de ansiedade
Estudo analisou quase 70 mil crianças de áreas urbanas na China. Rodolfo Damiano, pesquisador e professor da USP, explica o fenômeno
Crescer pisando na grama. Esse hábito idílico dos tempos dos nossos avós talvez seja o segredo para a saúde mental das crianças. É o que revela estudo recente publicado na prestigiada revista inglesa BMC Psychiatry, pelos pesquisadores chineses Jian-Bo Wu e Yan Zhang, dentre outros, do Departamento de Psicologia Clínica do Hospital de Saúde Maternal e Infantil de Shenzhen Longhua. Foram analisadas quase 70 mil crianças em idade pré-escolar – de 0 a 3 anos – moradoras do distrito urbano de Longhua, em Shenzhen, na China. Os cientistas identificaram uma ligação clara entre a frequência e a duração das atividades ao ar livre na primeira infância e a redução dos sintomas de ansiedade.

Os dados mostram que o tempo fora de casa aumenta a estimulação sensorial, a atividade física e o vínculo emocional. Os resultados são contundentes: bebês de 0 a 1 ano que participam de atividades ao ar livre menos de uma vez por semana apresentam risco 2,55 vezes maior de desenvolver sintomas de ansiedade na idade pré-escolar, comparados àqueles que têm atividades externas pelo menos sete vezes por semana. O mesmo ocorre quando essas crianças ficam menos de 30 minutos por período ao ar livre, com risco 1,62 vezes maior. Na faixa etária de 1 a 3 anos, crianças com menos de uma atividade externa semanal têm risco 3,10 vezes maior de desenvolver sintomas de ansiedade e aquelas com sessões inferiores a 30 minutos apresentam risco 2,07 vezes maior.
Crescer pisando na grama

Já é consenso que o contato com a natureza está intimamente ligado à saúde. Diversos estudos mostram que a exposição regular à natureza é associada a um aumento na atividade das células do nosso sistema imunológico. Esse contato reduz os níveis de cortisol, regula a frequência cardíaca e diminui a pressão arterial, além de oxigenar o cérebro e os pulmões. Mas esta é a primeira vez que um estudo mostra a relação direta da natureza com a saúde mental entre bebês e crianças em seus primeiros anos de vida.
“Não existe saúde sem saúde mental. Como psiquiatra, observo com preocupação a mudança drástica no estilo de vida infantil atual. Crianças passam cada vez mais tempo em ambientes fechados, expostas a telas e com rotinas altamente estruturadas. O estudo chinês traz dados alarmantes: crianças com exposição mínima a ambientes externos têm risco triplicado de desenvolver sintomas ansiosos em idade pré-escolar”, destaca o médico psiquiatra Rodolfo Damiano, professor da USP e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Crianças que crescem fechadas em apartamentos e condomínios têm mais probabilidade de desenvolver transtornos de ansiedade.
No caso de adolescentes, o quadro psicopatológico é agravado pela imersão digital, com o uso de smartphones, computadores e acesso a plataformas online como Discord e outras redes sociais. “O trágico falecimento da adolescente após participar do ‘desafio do desodorante’ transcende um mero caso isolado de imprudência juvenil. O episódio revela vulnerabilidades neuropsiquiátricas específicas dessa faixa etária. O cérebro adolescente encontra-se em fase crítica de maturação, o que os torna particularmente vulneráveis a mecanismos de recompensa social imediata, capacidade reduzida de avaliação de riscos em contextos de alta carga emocional e, sobretudo, busca por aceitação e pertencimento social”, alerta o psiquiatra Rodolfo Damiano, que tem visto, em suas clínicas em São Paulo e no Rio de Janeiro, um crescimento de pacientes nessa faixa etária e com esse perfil.
O estudo chinês, inédito pela abrangência da mostra e pela faixa etária, revela como a primeira infância é um período crítico, pois promove o desenvolvimento de circuitos neurais que governam a resposta ao estresse durante toda a fase da vida. Agora, pais e educadores, além das preocupações com a restrição de celulares e uso de telas, precisam incluir como dica de saúde mais brincadeiras ao ar livre aos pequenos. Afinal, natureza é saúde.
Clique aqui para ver o estudo:
https://bmcpsychiatry.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12888-025-06831-2
Sobre o médico psiquiatra Rodolfo Damiano (CRM-SP 190.747 | RQE 95.585):
O cuidado pelo outro com excelência. Essa é a missão do médico paulista Rodolfo Damiano, psiquiatra, palestrante, escritor, professor e pesquisador. Com 32 anos e 6 livros publicados, aliando ciência e humanidade, teoria e prática, diálogo franco e tecnologia, Rodolfo já é referência, no Brasil e no exterior, em pesquisas nas áreas de ansiedade, depressão, TDAH, Covid-19 e prevenção ao suicídio. Médico psiquiatra e doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), pós-doutorando em Psiquiatria pela USP, em parceria com Yale University e Ohio State University (EUA). É professor do programa de pós-graduação do Instituto de Psiquiatria da USP, onde também coordena o ambulatório de Depressão Resistente ao Tratamento, Autolesão e Suicidalidade. Editor associado do Brazilian Journal of Psychiatry. CEO da Soul Clinic, no Rio de Janeiro, centro de medicina integrativa, e cofundador da Imensamente, plataforma de cursos em psiquiatria e saúde mental. Autor de Você Pode Amar e Ser Feliz (DISRUPTalks, 2024) e Cansei de Viver, e Agora? (Manole, 2024), e editor de Compreendendo o Suicídio (Editora Manole, 2021), Spirituality, Religiousness and Health (Springer, 2020), dentre outros. Voluntário da ONG Fraternidade sem Fronteiras, tendo participado de missões em Manaus (AM) e Madagascar e Malaui, na África. O amor transformando vidas, histórias e trajetórias. E a felicidade, tema central de seus estudos, a vitamina do corpo e da alma.
Instagram: @dr.rodolfodamiano